No último dia 21 de maio, o portal
G1 publicou espelhos de dez redações que obtiveram
nota máxima na edição do ano de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) cujo tema da proposta de redação foi “
Publicidade Infantil em Questão no Brasil”.
No texto de hoje, iremos analisar um desses textos a fim de gerar uma
reflexão acerca do que a banca elaboradora e corretora espera de um
candidato ideal.
Primeiramente, a fim de situar os nossos
leitores, gostaríamos de resumir o que a coletânea de textos motivadores
dessa proposta de redação do Enem traz aos candidatos.
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O primeiro texto é a adaptação de uma matéria publicada na página da BBC que discute a resolução do Conanda
(Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente) que
considera abusiva a publicidade infantil que tem como objetivo persuadir
a criança ao consumo de qualquer produto e serviço ao apelar para
aspectos como brinquedos, desenhos animados, linguagem infantil, trilhas
sonoras, ofertas de prêmios dentre outros. O texto, além de definir o
que é, para o Conanda, uma propaganda infantil abusiva, aborda os pontos
de vistas favoráveis dos pais à resolução e desfavoráveis dos
anunciantes, visto que estes argumentam que o Conar (Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária) já exerce o papel de controle e de
combate a possíveis abusos.
O segundo texto da
coletânea de textos motivadores, por sua vez, é um texto multimodal, já
que trata-se de um mapa mundial que mostra como alguns países lidam com a
questão da publicidade voltada ao público infantil. Por meio de sua
leitura e análise, os candidatos tomaram ciência de quais países
regulamentam, proíbem (total ou parcialmente) e liberam tais propagandas
e como essas ações são feitas.
Já o terceiro e último texto da coletânea de textos motivadores é uma citação adaptada de dois autores de um livro que trata sobre a questão do marketing2
infantil. Segundo a citação, a criança deve ser preparada, desde
pequena, para receber mensagens do mundo exterior a fim de entender o
que está por trás dessa mensagem, ou seja, o que está nas entrelinhas
para que, no futuro, ela seja uma consumidora reflexiva e consciente de
suas compras.
A redação que iremos analisar é de autoria de Antônio Ivan Araújo Monteiro Jr., residente do estado do Ceará. A seguir, o texto na íntegra:
"A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por
considerável aumento no número de vendas de produtos e serviços
direcionados às crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade
infantil representa uma questão que envolve interesses diversos. Nesse
contexto, o governo deve regulamentar a veiculação e o conteúdo de
campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do contrário, elas
podem ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos,
psicológicos e emocionais.
Em primeiro lugar, nota-se que as
propagandas voltadas ao público mais jovem podem influir nos hábitos
alimentares, podendo alterar, consequentemente, o desenvolvimento físico
e a saúde das crianças. Os brindes que acompanham as refeições infantis
ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo, aumentam o
consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas
crianças, interessadas nos prêmios. Esse aumento da ingestão de
alimentos pouco saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças
como a obesidade.
Em segundo lugar, observa-se que a publicidade
infantil é um estímulo ao consumismo desde a mais tenra idade. O consumo
de brinquedos e aparelhos eletrônicos modifica os hábitos
comportamentais de muitas crianças que, para conseguir acompanhar as
novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada vez mais caros aos
pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem ser vítimas
de piadas maldosas por parte dos outros, podendo também ser excluídas de
determinados círculos de amizade, o que prejudica o desenvolvimento
emocional e psicológico dela.
Em decorrência disso, cabe ao
Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa de reverter esse quadro. O
terceiro setor – composto por associações que buscam se organizar para
conseguir melhorias na sociedade – deve conscientizar, por meio de
palestras e grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças
para que discutam com elas a respeito do consumismo e dos males disso.
Por fim, o Estado deve regular os conteúdos veiculados nas campanhas
publicitárias, para que essas não tentem convencer pessoas que ainda não
têm o senso crítico desenvolvido. Além disso, ele deve multar as
empresas publicitárias que não respeitarem suas determinações. Com esses
atos, a publicidade infantil deixará de ser tão prejudicial e as
crianças brasileiras poderão crescer e se desenvolver de forma mais
saudável."
Trecho de redação de Antônio Ivan Araújo. (Foto: Reprodução/G1)
Confira agora uma análise parágrafo a parágrafo
Iniciaremos a análise pela introdução.
O autor inicia o seu texto situando a publicidade infantil em termos
econômicos mostrando que este tipo de propaganda movimenta milhões de
dólares em todo o mundo. Porém, como o tema é a publicidade infantil no
Brasil, essa especificação vem logo em seguida juntamente com a tese de
que, em nosso país, essa discussão deve levar em consideração vários
aspectos e que o governo deve regulamentar esse mecanismo, pois, ao
contrário, pode haver prejuízo na formação das crianças em relação a sua
saúde física e emocional. Assim, podemos perceber que o autor apresenta o
tema e o seu ponto de vista ao leitor e já dá uma dica do que será a
sua proposta de intervenção social, ou seja, a regulamentação por parte
do governo.
Com o intuito de conectar a introdução ao primeiro parágrafo do desenvolvimento, o autor faz uso de um recurso conectivo
para também referir-se à saúde física já citada anteriormente, fazendo
alusão aos brindes que acompanham os lanches de restaurantes fast food
(não é preciso dizer o nome da mais famosa rede desse tipo).
Exemplificando como a publicidade infantil pode influenciar na questão
da obesidade infantil, o autor embasa seu argumento e ainda mostra que
leu a coletânea de textos motivadores cujo primeiro texto menciona
brindes desse tipo. Problemas de saúde, deste modo, são uma das
consequências da publicidade infantil apelativa por meio de brinquedos
que acompanham comidas que não são saudáveis.
Atento à
paragrafação, o autor faz uma segunda relação entre os parágrafos do
desenvolvimento ao iniciar o terceiro parágrafo com “em segundo lugar”,
dando sequência às suas estratégias argumentativas citando o aumento do
consumismo oriundo desse tipo de propaganda, mostrando que foi além do
que o terceiro texto motivador abordou. O argumento do autor é que as
crianças querem acompanhar seus amigos nas brincadeiras e, por isso,
pedem aos pais os brinquedos que conhecem pelas peças publicitárias e,
se elas não tiverem tais brinquedos, podem virar motivo de gozação, o
que acarretaria em danos psicológicos, como já fora adiantado na
introdução.
Nesse parágrafo específico, há um pequeno desvio de
acentuação, o que não prejudica em hipótese alguma a coesão e a fluência
do texto e, por isso, assim mesmo, a nota dessa redação foi a máxima.
O quarto parágrafo
aborda, como já demonstrado pelo seu início, que em decorrência dessa
problemática, o Governo Federal e o terceiro setor – definido pelo autor
a fim de que seu leitor tome conhecimento – devem reverter esse quadro
por meio da regulamentação e da punição através da aplicação de multas e
da formação de consciência em palestras e grupos de discussão,
respectivamente.
Escolhemos analisar essa redação por se tratar de
uma dissertação-argumentativa que atende a todas as competências de uma
maneira objetiva e clara, com argumentos e estratégias argumentativas
eficientes e simples. Assim, podemos afirmar que a simplicidade pode ser
eficaz a fim de garantir um bom desempenho na redação do Enem ou de
qualquer outra prova de redação e escrita de qualquer texto; ou seja,
não é um bicho de sete cabeças como muitos pensam. O importante é ter
discernimento no momento de planejar o organizar o texto, algo nítido
neste exemplo, pois nada adianta trazer argumentos complexos se estes
não estão organizados.
2 Segundo o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, marketing
é uma estratégia empresarial de otimização de lucros através da
adequação da produção e oferta de suas mercadorias ou serviços às
necessidades e preferências dos consumidores, para isso recorrendo a
pesquisas de mercado, design de produtos, campanhas publicitárias,
atendimentos pós-venda etc.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA
é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo
funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e
Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas.
Além disso, também participou de avaliações e produções de vários
materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da
Educação (MEC).
Fonte: https://www.infoenem.com.br/analise-de-redacao-nota-1000-do-enem-2014/
Acesso em: 05/06/2015